Conheça as Lendas de São João del-Rei e Região: Os Contos e as Assombrações nas Ruas do Interior de Minas Gerais
Um povo que preserva sua história e sua memória, dentro de cada um dos seus novos e antigos moradores, sem dúvida alguma constrói um futuro sólido e promissor. Por mais que estejamos na chamada "era digital", onde a tradição oral vem dando lugar a uma tradição de frases abreviadas, que são digitadas através de aplicativos de mensagens instantâneas, um povo se torna verdadeiramente "rico" ao manter os traços e requintes culturais dos seus antepassados. Dessa forma, se viabiliza o encontro do velho com o novo, do erudito com o popular, do local ou regional com o nacional ou mundial, da literatura com os causos regionalistas, do simples com o complexo, das arrepiantes lendas em contraste com nossa nova realidade.
Como vocês provavelmente já notaram, o tom inicial dessa postagem é um tanto quanto diferente em relação aos assuntos que habitualmente são escritos por mim. Geralmente sempre sou um tanto quanto cético, o que me permite fornecer a vocês os mais diversos caminhos, versões e hipóteses para tentar explicar os casos mais "misteriosos" ou "assombrosos", que acontecem no Brasil, assim como nas mais diversas regiões do mundo. Porém, em meados do mês de maio desse ano, enquanto eu procurava por casos interessantes na internet, me deparei com uma matéria do site "Uai Noticia", que basicamente é um site de notícias cuja cobertura se estende pela mesorregião do Campo das Vertentes, no Estado de Minas Gerais. Essa matéria contava sobre as lendas e assombrações que semeavam o medo no interior mineiro, e isso me chamou muita atenção.
Assim sendo, resolvi fazer essa postagem especial para contar a vocês sobre as lendas enraizadas nas ruas das cidades de São João del-Rei e de São Tiago, no Estado de Minas Gerais. Além disso, apresentaremos a vocês um espetáculo chamado "Lendas São Joanenses", que promove um trabalho belíssimo para manter a riqueza cultural "assombrosa" da cidade de São João del Rei viva dentro dos corações dos turistas e do novos moradores locais, ainda que muitos deles sejam apenas temporários. Enfim, esperamos que vocês embarquem junto conosco nessa pequena viagem cultural, que faz parte do nosso imenso Brasil. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Um Pouco Sobre a Cidade e a História de São João del-Rei, no Estado de Minas Gerais
Talvez muitos de vocês não conheçam a cidade de São João del-Rei. Então, foi justamente por esse motivo que resolvi iniciar essa postagem contando um pouco sobre a cidade e sua história. Evidentemente, não iremos nos alongar muito para não ficar cansativo, porém acho interessante que todos tenham um certo conhecimento, visto que nossa função é manter vocês informados da melhor forma, e da maneira mais completa possível.A cidade histórica de São João del-Rei se encontra na região do Campo das Vertentes, pertencente ao estado de Minas Gerais, sendo considerada uma das maiores cidades setecentistas mineiras, e dotada de uma vasta gama arquitetônica, na qual não se restringe apenas ao Barroco. Mesmo na região do Centro Histórico é possível observar as mais diversas linhas arquitetônicas.
Imagem mostrando a localização da cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais
A cidade está localizada a 180 km de distância da capital, Belo Horizonte, e possui pouco mais de 88.000 habitantes segundo o último censo realizado em 2014. Para se ter uma ideia, a cidade vizinha de Tiradentes possui cerca de apenas 7.000 habitantes.São João del-Rei também é considerada uma cidade universitária devido a presença da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), do IPTAN (Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo Neves) e do IF-Sudeste de MG (Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais), além do grande número de repúblicas estudantis espalhadas pela cidade. Assim sendo, é uma cidade que mescla diferentes gerações, possui um fluxo bem expressivo de pessoas em relação às cidade vizinhas.
Foto mostrando uma visão geral da cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais
As rivalidades e as disputas pela posse da terras geraram conflitos permanentes, que culminaram na "Guerra dos Emboabas". Eram chamados emboabas os que não tinham nascido na Capitania de São Vicente e que, para os paulistas, não deveriam receber terras na região das minas. Assim, entre 1707 e 1709, paulistas revoltaram-se contra os "forasteiros", chamados por eles de "emboabas", em sua maioria portugueses e indivíduos oriundos de outras capitanias da América portuguesa, que, liderados pelo comerciante Manuel Nunes Viana, saíram vitoriosos do movimento. Resumindo, os paulistas foram derrotados, e a Coroa Portuguesa, após acabar com o conflito e pacificar a região, assumiu a exploração de ouro na região das Minas Gerais.
Já bastante próspera, em 1713 a localidade foi elevada a "Vila" e recebeu o nome de São João del-Rei em homenagem a Dom João V, rei de Portugal e Tomé Portes del-Rei. No ano seguinte (1714), foi nomeada sede da "Comarca do Rio das Mortes". Desde os tempos de sua criação, foi desenvolvida uma vasta produção mercantil e de gêneros alimentícios, movida a trabalho escravo e resultante tanto da atividade agrícola quanto da pecuária.Em poucos anos, o movimento conhecido como "Inconfidência Mineira" tomou corpo e ganhou adeptos em cada arraial e vila da Capitania das Minas Gerais. Grandes planos foram traçados tendo em vista a produção de bens de consumo e a defesa da liberdade comercial, o que descartaria a política monopolizadora da metrópole. A Vila de São João del-Rei chegou a ser escolhida para abrigar a nova capital. Porém, em 1789, o movimento foi frustrado pela denúncia do coronel Joaquim Silvério dos Reis, devedor de somas altíssimas à Fazenda Real.
Mapa da Comarca do Rio das Mortes de 1780.
Ainda no século XIX, a cidade contava com casa bancária, hospital, biblioteca, teatro, cemitério público construído fora do núcleo urbano, além de serviços de correio e iluminação pública a querosene. A cidade chegou a ser indicada uma segunda vez para abrigar a capital do estado, porém, com a escolha de "Arraial do Curral del-Rei", localidade que hoje em dia todos nós conhecemos como "Belo Horizonte", em 1893, como capital do Estado de Minas Gerais, a importância econômica de São João del-Rei começou a diminuir gradativamente.A cidade no entanto, não perdeu seu charme colonial, sendo motivo de atenção dos modernistas brasileiros, que a visitaram em 1924. Ela é registrada na obra de algumas das figuras mais representativas do movimento, como a pintora Tarsila do Amaral e o escritor Oswald de Andrade. Até que finalmente em 1943, seu acervo arquitetônico e artístico, composto por importantes edificações civis e religiosas, foi tombado pelo SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Mapa turístico da cidade de São João del-Rei (cliqui aqui para ampliá-lo)
É claro que existem muitas outras histórias sobre a cidade. Até mesmo ocorreu uma briga judicial alguns anos atrás para apontá-la como local de nascimento de Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido como Tiradentes. Entretanto, fizemos apenas um breve resumo para que vocês pudessem ficar um pouco mais por dentro da história da cidade, sua respectiva localização e importância tanto no cenário regional quanto nacional. Aproveite para assistir também a uma espécie de tour pelo Centro Histórico de São João del-Rei em um vídeo publicado no canal "Projeto Américas" no Youtube. Vale a pena conferir:
Agora que você está um pouco mais informado sobre a cidade e história de São João del-Rei, nada mais justo que conhecer um interessante espetáculo artístico-cultural noturno, chamado de "Lendas São Joanenses", que percorre o centro histórico de São João del-Rei, utilizando-o como cenário para encenar as lendas mais assombrosas da cidade!
Conheça o Espetáculo "Lendas São Joanenses": Um Tour Noturno pelo Centro Histórico de São João del-Rei para Encenar as Lendas Locais que Espalham o Medo Entre a População
Por São João del-Rei ser uma cidade histórica, com passado e presente marcantes no segmento artístico-cultural, a representação teatral das lendas e a transmissão oral da história da cidade são relevantes, pois resgatam valores culturais e ressaltam a importância da valorização dos bens patrimoniais tangíveis e intangíveis. Estes bens compõem a identidade cultural da cidade e de seus moradores.
Foi em meio à penumbra das ruas e vielas, dos lampiões movidos a óleo de baleia, querosene e a gás, que as lendas se tornaram parte do imaginário dos antepassados, cenário este que, nos dias de hoje, ainda se faz presente na histórica cidade de São João del-Rei.A iniciativa de encenar lendas teve inspiração no livro "Contam que...", publicado em 1922 pelo escritor, poeta e jornalista são joanense "Lincoln de Souza", editado e relançado cerca de 13 vezes. Este livro, conhecido por muitos moradores, contém cerca doze lendas, das quais o grupo encena grande parte delas (cerca de oito lendas, porém existe uma nona lenda chamada "A Noiva", que não consta no livro) com o objetivo de fomentar o teatro de rua, agregando valor ao entorno histórico com diferentes estilos de apresentações, e homenageando a memória desse saudoso escritor.
As encenações das lendas utilizam como palco e cenário, as casas coloniais, ruas, igrejas, pelourinho, becos,
solares e cemitérios, existentes ao longo do trajetoNa 3ª edição de "Contam que...", um critico menos versado em assuntos folclóricos observou, como "notável descoberta", que algumas lendas ali registradas se narram como tendo ocorrido em outras cidades do Brasil. Quem estuda a história das lendas sabe, porém, que existe uma curiosa similaridade entre elas, não apenas quando comparadas com as de um mesmo país, mas igualmente com as de outras partes do mundo, o que faz crer na sua estranha universalidade.
Capa do livro "Contam que...", publicado em 1922 pelo escritor,
poeta e jornalista são joanense Lincoln de Souza.
Ainda como forma de homenagem aos conterrâneos que deixaram herança cultural para a cidade de São João del-Rei, durante os espetáculos, são utilizados trechos de peças musicais do Padre José Maria Xavier, grande compositor de músicas sacras, transmitindo essa riqueza cultural imaterial para as novas gerações.
Este espetáculo, em atividade desde julho de 2007, inicialmente com nome "By Night Tour", (devido à nomenclatura técnica dos roteiros noturnos) foi coordenado por membros da Coopertur (Cooperativa de Condutores de Turismo).
Com a extinção da Coopertur em 2009, foi formado um novo grupo, composto de atores e condutores de turismo, que permitiram continuidade às apresentações, sob a coordenação de seus idealizadores, alterando o nome do espetáculo para "Lendas São Joanenses". Desde então, o espetáculo tornou-se um referencial artístico-cultural na cidade de São João del-Rei.
O espetáculo "Lendas São Joanenses" acontece ao menos uma vez por mês, durante fins de semana prolongados ou para grupos fechados (com agendamento prévio). Em sua página no Facebook, os organizadores deixaram ao menos 4 datas previamente agendadas: 25 de junho, 20 de agosto, 15 de outubro e 13 de novembro desse ano, com horário previsto para a encenação começar às 20h, no Largo do Rosário (informações sujeitas a alterações).Caso você esteja interessado em saber maiores informações, quiser assistir as encenações, bem como adquirir seus ingressos, basta entrar em contato com os organizadores através da própria página do Espetáculo "Lendas São Joanenses" no Facebook (https://www.facebook.com/lendassj), combinado? Não se preocupe, eles costumam responder rapidamente as mensagens que são enviadas. Então, acredito que quaisquer dúvidas que vocês tenham, serão bem atendidos por eles.
A equipe do "Lendas São Joaneses" conta atualmente com cerca de 15 integrantes,
entre guias de turismo, atores e equipe de apoio
Por ser um atrativo cultural de caráter vivencial e diferenciado e pela sua característica dinâmica, envolvendo cultura e arte ao mesmo tempo, o espetáculo não se restringe a um público específico e possibilita que qualquer pessoa participe. A maneira com que as informações são transmitidas, fazem com que toda a atenção dos participantes estejam voltadas a cada momento do espetáculo, alcançando assim os objetivos do projeto.
Portanto, seja qual for a faixa etária dos participantes, os ensinamentos serão muito bem assimilados pelo público, através da história da cidade, sendo transmitidos pelos condutores de turismo, bem como pelas lendas locais encenadas pelos atores. Resumindo, é uma programa para todas as idades. Os atores costumam tirar fotos e interagir com o público ao final do espetáculo. Diversão garantida.
As Lendas da Cidade de São João del-Rei
O que não falta ao interior do Estado de Minas Gerais são histórias de assombrações e lendas que atravessaram gerações. Aliás, as próprias crianças já nascem envolvidas com esses casos. Alguns pais acreditam, por exemplo, que devem enterrar o cordão umbilical dos filhos para que ratos não o comam. Caso contrário, a pessoa pode virar um ladrão quando crescer. Também vêm das pequenas cidades mineiras e de suas fazendas coloniais, mitos de fantasmas que enchem a imaginação das pessoas. Não é difícil encontrar um morador que não tenha presenciado ou ouvido falar de barulhos de correntes, choro de escravos ou de passos de pessoas durante as madrugadas.
A cidade de São João del-Rei é um bom exemplo disso, pois como dissemos anteriormente suas lendas vêm sendo mantidas vivas no imaginário de turistas e moradores da região através do espetáculo "Lendas São Joanenses". É justamente com a ajuda deles que iremos contá-las a partir desse momento. Aliás, tentarei manter o texto praticamente com as mesmas palavras e da mesma forma como foi escrito no livro, apenas com leves adaptações para um melhor entendimento.
O Segredo
No pequeno sobrado em que funcionou, há tempos, um departamento do Ministério da Agricultura, situado atrás da Igreja de São Gonçalo Garcia, residia outrora um opulento capitalista, de nome Rogério, casado com uma senhora cuja perversidade era o terror da mísera escravaria às suas ordens. Entre os escravos havia uma jovem mulata chamada Julieta, cuja beleza e juventude alvoroçaram, logo que chegou, os sentidos do senhor, homem forte, másculo e ainda relativamente moço.A maneira leve e suave pela qual, desde o primeiro dia, começou a tratar a nova escrava, despertou fortes ciúmes por parte de sua esposa, dona Jacinta, que exigiu o mais depressa possível a venda da moça. Rogério, é claro, não concordou, visto as razões secretas que tinha para mantê-la em seu poder.
A Igreja de São Gonçalo Garcia, em São João del-Rei, Minas Gerais
Suspeitando do marido, dona Jacinta passou a espioná-lo, habilmente, e foi sem grande dificuldade que ficou sabendo que Julieta era algo mais do que uma simples escrava... Porém, evitou de comentar sobre o assunto e tornou-se até mais carinhosa com o marido, a quem, dali por diante, deixou de falar na venda de Julieta.
Cerca de um mês depois foi comemorado o aniversário de Rogério. A esposa, dona Jacinta, decidiu fazer ela mesma o jantar. Aliás, não foi apenas um jantar um pouco mais farto, que dona Jacinta apresentou naquele dia, mas um verdadeiro banquete. Era grande a variedade de pratos que enchiam a mesa, mas, entre todos, aquele de que Rogério mais gostou foi um de picadinho de coração, muito de seu agrado, que somente ele comeu, e repetiu mais de uma vez, deliciado.
Desconfiado de que a mulher a tivesse vendido contra suas ordens, interpelou-a ardilosamente:
– Será que a mandaste a alguma parte, Jacinta?
– A Julieta? - perguntou Jacinta como se de nada soubesse.
– Sim, a Julieta! - exclamou Rogério, já de mau humor.
– Bem, o coração tu o jantaste... O resto não sei... pergunta ao Bento... - respondeu ironicamente, Jacinta.
Tudo fora feito em segredo: o assassinato, a abertura do peito, a retirada do coração com a desgraçada ainda viva, fortemente amarrada e com a boca entupida de pano, para que não ouvissem seus gritos. Em seguida, o enterro ali mesmo, onde se consumara o hediondo crime.
– Ali há um segredo... Não posso dizer... Pagaria com a vida... - respondeu Bento.
E o local da tragédia ficou sendo, para os escravos, o "Segredo", denominação esta que, mais tarde, se estendeu aos arredores, e até hoje se conserva.
O Sacrilégio
Meia-noite já havia soado, quando um desconhecido bateu à porta da casa de Padre Antônio, lá para as bandas do Tijuco. Um homem estava a sua procura. Sua intenção? Só a ele poderia dizer. Via-se estampada no semblante do misterioso indivíduo uma imensa aflição. Despertaram o prestimoso sacerdote, que não tardou a ir ao encontro de quem o procurava.
– Desculpe incomodá-lo, senhor reverendo, mas é tão necessária a sua intervenção! Trata-se de salvar uma alma. Não podia deixar para amanhã.
– Ora, meu filho, nada tenho que desculpar. Eu me sinto verdadeiramente feliz quando posso socorrer os que precisam de mim. Confissão? Extrema-unção? Onde? - indagou o padre.
– Igreja de São Francisco de Assis - respondeu o homem.Padre Antônio ficou perplexo, sem atinar... Fazer o quê, em uma igreja, aquela hora? O outro, compreendendo a estranheza, esclareceu:
A Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, Minas Gerais
– Imagine que um pobre pecador comungou sem que se houvesse confessado, momentos antes de morrer. Venho aqui pedir-lhe a grande esmola de retirar a hóstia da boca do cadáver.
– Mas já deve ter-se delido... - questionou o padre.
– Não. Garanto-lhe que não.
Padre Antônio então pensou na intervenção divina.
– Está bem! - vestiu-se, tomou o breviário, colocou o chapéu na cabeça e pôs-se a caminho, acompanhado do desconhecido. O bom religioso não sabia explicar a causa, mas sentia qualquer coisa de anormal, uma certa inquietação de espírito, que lhe provocava arrepios, de tempos em tempos...Cerca de 25 minutos depois, defrontavam a igreja: estava aberta e toda iluminada, como em dia de festa. Entraram. Não havia nenhuma pessoa. Bem ao centro da nave, sobre uma mesa, um caixão pobre, coberto de chita preta, ordinária sem dourados. Caminharam em sua direção. Padre Antônio levantou-lhe a tampa, descobriu o rosto do defunto, abriu com muito custo a boca fria e rígida, e extraiu-lhe a hóstia. O desconhecido tinha razão: não se dissolvera, estava perfeita. Depois de guardá-la no altar e rezar pela alma do morto, diante do caixão cada vez mais impressionado, o piedoso sacerdote voltou para casa.
O bom religioso não sabia explicar a causa, mas sentia qualquer coisa de anormal, uma certa inquietação de espírito,
que lhe provocava arrepios, de tempos em tempos...
Só quando estava na rua, ele refletiu que não vira o sacristão nem na entrada, nem mesmo na saída da igreja. Parou, intrigado, e volveu o olhar em direção a igreja: estava fechada e com as luzes apagadas. Achou tudo aquilo fantástico, desconcertante... Voltou novamente a caminhar em direção a sua casa, quando ouviu alguém chamá-lo. Era o desconhecido. Esquecera-se de agradecer-lhe.
Até ali, Padre Antônio não havia reparado nas suas feições, mas agora, depois que ele lhe estendera as mãos frias, horrivelmente frias, em um aperto angustiante, notou que aquela fisionomia não lhe era estranha. Ele já vira alguém com aqueles mesmos cabelos empastados, aqueles olhos amortecidos, aquela boca repuxada e sem cor... Onde? Quando? Aquele rosto... Ah! - lembrou-se - e quase desmaiou, apavorado, em um arrepio de morte: o homem que o fora chamar, o que estava ali à sua frente, não era outro senão o que jazia, momentos antes, dentro do caixão... O defunto!E Padre Antônio, antes mesmo de voltar a si de seu grande assombro, viu o estranho indivíduo empalidecer ainda mais, tornar-se de súbito vaporoso e desfazer-se, em poucos instantes, como a fumaça ao vento, na solidão da noite...
Padre Antônio levantou-lhe a tampa, descobriu o rosto do defunto, abriu com muito custo a boca fria e rígida, e extraiu-lhe a hóstia. O desconhecido tinha razão: não se dissolvera, estava perfeita
Como adendo vale ressaltar que a Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, é um dos principais marcos da arte colonial brasileira, tornando-se famosa pela beleza de sua arquitetura, pela riqueza de sua talha e pela participação nas obras do mestre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, autor do projeto, mais tarde modificado por Francisco Cerqueira. Devido à sua importância, a igreja foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, junto com todo o seu acervo.
Uma outra lenda conta que certa ocasião um dos sineiros foi morto quando executava o seu trabalho, atingido na cabeça pelo pesado sino em movimento. A lenda acrescenta que o sino chegou a ser removido do campanário, preso e açoitado pelo crime que "cometera", mas essa narrativa não parece ter fundamento histórico, embora fosse sim um costume retirar o badalo do sino e acorrentá-lo temporariamente quando seu operador morria em atividade.
O Retrato
Padre Ernesto lia com fervor o seu breviário, quando uma senhora de certa idade, em cuja fisionomia se estampava em bondade e distinção, modestamente trajada, foi pedir-lhe que confessasse o filho, que se encontrava doente e acamado. Ele não a conhecia, como aliás não conhecia quase ninguém, visto que não era da cidade e tinha chegado há pouco tempo. Sem demora, largou o livro, colocou o chapéu na cabeça e saiu. Na rua, ela falou para ele:
– O senhor não dirá que foi chamado expressamente para vê-lo. Proceda de maneira que a sua presença não o impressione. Ele está sofrendo do coração e qualquer abalo o pode vitimar. Residimos na rua de Santo Antônio, na quarta casa do lado esquerdo de quem vem do Largo do Rosário. Não tem número, mas não haverá dificuldade em encontrá-la. Eu daqui sigo para Barro, em busca de um remédio e quando, ao meu regresso, já não o encontrarei mais em casa, porque me demoro. Desde já me despeço do senhor e muito de coração lhe agradeço a caridade. Boa noite.
– Amém - respondeu a senhora.
Padre Ernesto caminhava pensando no que deveria dizer para justificar sua presença, e não alarmar o enfermo. Após andar cerca de vinte minutos, estava em frente da casa indicada. Bateu à porta. Veio atendê-lo uma jovem, de luto, e o cumprimentou:
– Posso fazer uma visitinha ao querido doente? - indagou o padre.
– Pois não! Faça o favor de entrar - respondeu a jovem.Entrou. A beira do leito do rapaz ambos conversaram:
Imagem do Google Street View mostrando um trecho da Rua Santo Antônio,
na cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais
– Estou hoje correndo o bairro, Senhor... Como se chama? - perguntou o padre.
– Alfredo, ao seu dispor.
– Agradecido. Mas, como ia dizendo, Sr. Alfredo, estou correndo o bairro, para travar conhecimento com as minhas ovelhas. Sou novo aqui. O senhor é católico, já sei...
– Católico, apostólico, romano.
– Muito bem. E tem-se confessado regularmente?
– Tenho, mas este mês...
– Compreendo... as coisas mundanas o têm absorvido mais que a religião... E se, por acaso, morresse de repente, agora, amanhã? Não sabemos nunca o dia da nossa partida... E, se tal acontecesse, não iria em pecado? Já pensou nisso, Sr. Alfredo?
– Francamente, não pensei... O senhor tem razão.
– Bem. Já que aqui estou, não quereria aproveitar a ocasião e resgatar essa falta?
Rapaz bastante religioso, não relutou, e confessou-se. No dia seguinte, foi grande o espanto de Padre Ernesto quando soube que a ovelha da véspera amanhecera morta, com espanto também do próprio médico, visto que o estado do doente não parecia grave.
– É verdade, a senhora sua mãe... Imagino-lhe a angústia! Gostaria de confortá-la no transe que atravessa. Posso vê-la?
– Ah! Impossível! Nossa pobre mãe... - lamentou-se a jovem.
Padre Ernesto franziu a testa, sem compreender.
– Impossível? - e fixou novamente o olhar no retrato da senhora que o procurara.
– Sim, infelizmente - disse a moça.
Em uma infinita tristeza, com os olhos inundados de lágrimas, a jovem respondeu:
– Faz hoje, precisamente, três meses que ela morreu...
A Missa das Almas
A senhora Virgínia Cabral despertou de seu profundo sono, com as conhecidas badaladas do sino da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, chamando os fiéis para o tradicional ofício religioso denominado "Missa das Almas".
– Ah? Já são 5 horas? - estranhou a velha senhora.
E, sem consultar o relógio, ainda sonolenta e tiritando de frio, vestiu às pressas sua eterna saia preta de viúva, passou o xale em volta dos ombros e rumou para a igreja.Na sua miopia de octogenária, não reparou nas feições dos que lá se encontravam, mas percebeu que a igreja se encontrava cheia, e o padre no altar se movia de um para outro lado com tal leveza como se fosse feito de fumaça. O rosário ia correndo lentamente entre os seus velhos dedos descarnados, os seus olhos se perdiam num êxtase beatífico ante a imagem da Virgem Maria, quando ouviu o relógio da torre começar a badalar.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-Rei, em Minas Gerais
Começou mentalmente a contá-las. Céus, não estaria enganada?! Quatro... cinco... seis... sete... Sentiu tremer-lhe todo o corpo. Oito... nove... Foi quando soaram as doze horas. Doze badaladas da meia-noite e não do meio-dia. Como por encanto, tudo desapareceu: padre, sacristão, fiéis, as luzes se apagaram e as portas se fecharam sozinhas... Na imensa nave, um silêncio de túmulo!
E quando, no dia seguinte, o sacristão abriu a igreja, para a costumeira "Missa das Almas", dona Virgínia continuava ali, junto à porta principal, por onde certamente procurara fugir, lívida como um cadáver, ainda sem sentidos, sobre a frialdade dos ladrilhos...
A Bisbilhoteira
Escondida em um capote negro, com o escuro lenço em volta do queixo cobrindo-lhe a cabeça toda branca, encorujada e pergaminhenta, era o tipo clássico da velha capoteira, atualmente desaparecido.
Pela manhã, muito cedo, entrava na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, molhava os dedos nodosos na pia da água benta, persignava-se, ajoelhava-se e entrava a bater contas sobre contas do seu ensebado rosário. Mal acabava a Missa do Carmo, ia ainda apanhar a da Matriz. A noite, não perdia novenas nem terços, mesmo que chovessem pedras. Confessava-se quase todos os dias e comungava frequentemente. Os próprios padres já se aborreciam com o crescente beatismo daquela velhota abominável.Chamava-se Gertrudes, mas toda as pessoas a conheciam como "Tia Tude". Tia Tude benzia contra o quebranto, ensinava remédios, fazia companhia a enfermos e, não raro, exercia o papel de alcoviteira. Vivia do produto de rendas, por ela tecidas, e de monstruosas bonecas de pano, que fazia com trapos pedidos para as costureiras. Entrava em todas as casas, dava-se com todo mundo. Almoçava um dia com um, jantava outro dia com outro, e falava de todos e de tudo. Não havia nada que ela ignorasse, nem mesmo os fatos mais íntimos, passados entre quatro paredes, sem testemunhas e guardados com absoluta discrição.
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em São João del-Rei, em Minas Gerais
Parecia que a velha bruxa adivinhava. De casa em casa, ia ela contando, como um jornal falado, as novidades da terra e, ao mesmo tempo, tomando nota do que via para passar adiante. Não contente com o que farejava durante o dia, ela, à noite, postava-se por trás da persiana do seu mísero casebre no Morro da Forca e, sem que ninguém a visse, ficava horas e horas a espiar os que passavam na rua, com o ouvido atento as suas conversas. A vida alheia era o seu fraco.
– Quem é? – perguntou, com medo, do lado de dentro, sem se mostrar.
– Um desconhecido, que lhe vem pedir o favor de guardar um objeto até amanhã.
Tia Tude, generosa como sempre atendeu.
– Pois não? – abriu um palmo apenas da janela, estendeu o braço esquelético e recolheu o que lhe entregavam: uma mera tocha. A velha não deixou de ficar intrigada com o caso. O relógio bateu horas e ela, depois de fechar a porta com sua chave, deitou-se.
No dia seguinte, logo cedo, a primeira coisa que fez foi correr os olhos pelo objeto que lhe entregara o desconhecido, e que ela colocara cuidadosamente em um canto da sala.
Seu espanto foi tremendo... No lugar de uma tocha, ali estava, ainda sujo de terra fresca, nada menos que o fêmur de um defunto! Tia Tude, transida de pavor, viu nisso um aviso celeste. Contam que nunca mais a sua boca se abriu para falar da vida alheia depois disso.
Chica Mal-Acabada
Era tal o ciúme daquela criatura que, todos os domingos, na igreja, ao invés de ouvir atentamente a missa, metia um espelhinho no livro de orações e, fingindo que rezava, punha-se a espionar, por baixo, o amante, que tocava violino no coro. Chamava-se Francisca das Dores, mas era conhecida pela alcunha de "Chica Mal-Acabada", tal o seu físico de anã e as suas feições grosseiras de botocuda.
Certa vez, uma companheira a surpreendeu na igreja com os olhos fincados no espelho. Compreendendo tudo, advertiu-a na saída que aquilo era um enorme pecado. Deus podia castigá-la. Porém, Chica Mal-Acabada apenas riu.
Que isso! Não aconteceria nada! Um domingo, estava ela, como sempre, a olhar o amante pelo espelho, quando viu lá dentro qualquer coisa medonha, indescritível. Soltou um grande grito que alarmou os fiéis, e rolou ao chão, desmaiada. Levaram-na para casa, ainda sem sentidos. Quando voltou a si, não teve mais uma hora de sossego: a visão diabólica perseguia-a já fora do espelho, por toda parte. Recolheram-na ao pavilhão dos loucos da Santa Casa de Misericórdia, em um estado comovente.Estava, às vezes, calma, conversando com uma amiga quando, de repente, tapava os olhos com as mãos e se punha a gritar de um modo arrepiante:
Antigo Prédio da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, em Minas Gerais
– É ele! É ele! É ele!
E rolava por terra, em uma crise tremenda, espumando, mordendo-se e batendo a cabeça contra o assoalho, despedaçando o vestido... Depois, passado o acesso, caía em um profundo estado de prostração, deitava-se e logo dormia. A noite, as crises redobravam de intensidade.De madrugada, enquanto todos dormiam, surgiam mais gritos desesperados, sempre repetindo a mesma frase:
Estava, às vezes, calma, conversando com uma amiga quando, de repente, tapava os olhos com as mãos e se punha
a gritar de um modo arrepiante: É ele! É ele! É ele! - dizia Chica Mal-Acabada
– É ele! É ele! É ele!
Despertavam e punham em sobressalto os doentes, irmãs de caridade e os empregados da pia instituição. Os guardas então seguravam-na fortemente, com o objetivo de evitar que ela cometesse desatinos. Fórmulas e mais fórmulas que os médicos receitavam, benzeduras de padres levados pelas amigas, amuletos de feiticeiros que o amante lhe colocava ao pescoço, de nada valiam: cada vez piorava mais. Três meses depois, era quase um cadáver. Foi nesse estado, de extrema fraqueza, que uma pneumonia a surpreendeu.
O seu último dia foi horrendo, impressionante. Ela jazia no leito, com uma febre violentíssima, quando lhe veio a derradeira crise. Antes mesmo que tivessem tempo de contê-la, saltou da cama aos costumeiros gritos de: – É ele! É ele! É ele!Em segundos, meteu furiosamente os dedos pelas órbitas, arrancou o olho direito, em seguida o esquerdo, e os espremeu nas mãos ensangüentadas, dando gargalhadas sinistras, em uma volúpia assustadora. Depois, caiu por terra, arquejando com aqueles buracos fundos no rosto, jorrando sangue, a boca a escorrer espuma e baba... Quando a levantaram, estava morta.
Chica Mal-Acabada arrancou seus próprios olhos enquanto gargalhava,
e em seguida caiu no chão e veio a falecer
O Defunto que o Diabo Levou
O coronel Carlota (coronel da antiga Guarda Nacional) era um riquíssimo traficante de escravos, já idoso, calvo e gordo, que residia com a família em um sobrado quase centenário, à época, nas proximidades da igreja do Carmo. A enorme riqueza material desse homem contrastava, porém, com sua imensa miséria moral.
Era corrente que a filha mais velha fora por ele próprio envenenada, por apenas recusar um fazendeiro bronco, de idade avançada, enfermiço e autor de muitas mortes, o qual, só pelo seu ouro, o coronel queria para genro.
Prosperavam os negócios do desumano traficante de escravos, e ele se preparava para uma viagem ao sertão, quando o destino lhe mudou o itinerário, mandando-o viajar para o cemitério. A notícia de sua morte não causou nenhuma tristeza, como era de esperar, dada a antipatia que a cidade em peso lhe votava.
Foi o caso que, tendo ficado, um instante, o cadáver sozinho na sala, quando a esta voltou a primeira pessoa da casa, uma grande surpresa a esperava: o defunto havia desaparecido! Houve o justificado alarme. A família, aturdida, assombrada, não achava explicação para o fato a não ser a intervenção do sobrenatural.
– Era um velho tão mau, que falava tanto de Deus... - comentavam.
Encerradas todas as buscas, e para evitar escândalo, colocaram no caixão, para fazer peso, um grosso tronco de bananeira e depois o fecharam. Quando alguém, que chegava, pedia licença para ver o morto, diziam: – Queira desculpar, mas não é possível. Está se decompondo horrivelmente. Recebemos ordens de não abrir mais o caixão.
A tarde, o funeral foi realizado, com cerca de meia dúzia de pessoas, apenas para acompanhar o corpo.E dizem que, naquela noite, longe, muito longe da cidade, por uma deserta encruzilhada, passou correndo durante a madrugada, um cavaleiro de esporas fosforescentes, alto, magro, anguloso, chispando fogo e levando à garupa de um cavalo fantástico, o cadáver do velho coronel, envolto em lúgubre mortalha, que esvoaçava sinistramente ao vento...
Dizem que o próprio Diabo veio buscar o corpo do coronel Carlota na noite de seu funeral
Irmão Moreira
Filho de uma das mais distintas famílias são joanenses, Francisco Moreira da Rocha, um incorrigível boêmio, cuja vultosa fortuna gastava com bebidas, mulheres fáceis, jogatinas e toda sorte de pândegas e libertinagens. Sua fama correra todos os quatro cantos da cidade. Era o terror dos lares honestos. Não havia quem lhe desconhecesse as aventuras escandalosas, e a vida dissoluta que parecia jamais ter fim.
Certa vez, porém, passeava de madrugada pelas imediações da igreja do Carmo quando, inesperadamente, saindo de uma esquina, passou rente a ele uma estranha mulher. Ela era alta, cabelo ondulado, de grandes olhos perturbadores, elegantíssima em rico vestido negro, como um lírio envolto em crepe...
No outro dia, com o corpo dolorido, os membros lassos, entorpecidos, despertou. Não no leito de plumas em que se deitara na véspera, nem mesmo nos braços de seda daquela misteriosa criatura, que nem uma única palavra sequer pronunciara, mas sobre um túmulo frio do Cemitério do Carmo!Moreira compreendeu, imediatamente, transido de pavor, que a mulher com quem ele dormira não era senão o demônio, ao qual sua alma talvez já pertencesse a ele. Cada vez mais inquieto, sob uma crise de nervos raiando pela loucura, procurou depressa um padre, a quem contou o que lhe sucedera.
Foto atual do Cemitério do Carmo em São João del-Rei, em Minas Gerais
Depois de confessar seus pecados e profundamente arrependido, tratou de levar uma vida pura e piedosa. Para começar, no mesmo dia retirou seu dinheiro do banco e o distribuiu para os pobres e as instituições de caridade. Em seguida, tomando um hábito e com o nome apenas de Irmão Moreira, saiu para o mundo, esmolando para os necessitados, pregando o bem e curando enfermos, como Jesus, com o simples contato de suas mãos.
A Noiva de Branco
Essa é uma lenda apresentada no espetáculo "Lendas São Joanenses" que não consta originalmente no livro "Contam que...", porém é muito popular, principalmente em relação ao público que assiste as apresentações. Essa lenda conta que uma jovem mulher vaga pelas vielas e becos mal-iluminados de São João del-Rei ainda usando o seu vestido de noiva, procurando pelo seu marido, quer dizer, pelo homem com quem planejava se casar. Porém, isso não aconteceu.
Conta-se que o noivo morreu minutos antes do casamento enquanto estava a caminho da igreja para se casar. Desolada, a jovem correu para sua casa. Vendo que sua vida não fazia mais nenhum sentido, acabou se enforcando no meio da sala de jantar. Seus pais não aguentaram tamanho sofrimento, e se mudaram para bem longe da cidade, e deixaram a casa em total abandono.Assim sendo, todas as noites dizem que a "Noiva de Branco" é vista caminhando pelas ruas de São João del-Rei em busca de seu noivo, para finalmente se tornarem marido e mulher...
A lenda apresentada apresentada no espetáculo "Lendas São Joanenses" que não consta originalmente no livro "Contam que...", porém é muito popular, principalmente para o público que o assiste
----
Sombrio, não é mesmo? De qualquer forma, existem outras quatro lendas que não são apresentadas no espetáculo "Lendas São Joanenses": Mula sem Cabeça, O Senhor do Monte Alverne, A Criança Desaparecida, e "A Casa da Pedra" (a única lenda que não deriva de moral cristã, tendo sua origem em histórias indígenas). Vamos conhecê-las?
Mula Sem Cabeça
Venâncio voltava tarde do arraial do Rio das Mortes e estava quase a entrar na cidade quando ouviu, não longe, relinchos. Por uma natural associação de ideias, pensou, incrédulo, nas mulas sem cabeça que - dizia-se - às sextas-feiras da quaresma, depois da meia-noite, passavam pelas encruzilhadas, deitando fogo e atacando os que encontravam em seu caminho
Aflito para chegar a casa (já havia batido meia-noite e era justamente uma sexta-feira da quaresma), Venâncio caminhava então apressadamente quando, nas proximidades do cruzeiro do Betume, avistou uma tremenda mula sem cabeça, toda em chamas, que corria velozmente em sua direção.
Venâncio caminhava então apressadamente quando, nas proximidades do cruzeiro do Betume, avistou uma tremenda mula sem cabeça, toda em chamas, que corria velozmente em sua direção
Sem possibilidade de fuga, o animal em poucos segundos já estava a alguns metros de distância, Venâncio não teve outro recurso senão enfrentá-lo e, quando este o atacou, desferiu-lhe com a foice que trazia, e com a qual fora fazer uma roçada em um sítio, um golpe tão certeiro e tão firme, que lhe fez voar longe a pata dianteira. O monstro soltou um relincho terrível e desapareceu para as bandas do Rio das Mortes.
Pela manhã, soube Venâncio que, muito cedo, perto do local da sinistra ocorrência, encontraram sobre a relva a mão de uma mulher. Como havia rastro de sangue, foram seguindo e, a mais ou menos 200 metros, deram com uma pobre lavadeira do bairro, caída de bruços em uma vala, morta, uma perna partida e a mão direita decepada...
O Senhor do Monte Alverne
A mesa da confraria da irmandade de São Francisco de Assis reunira-se, pela segunda vez, na casa da respectiva Ordem, a fim de deliberar a respeito de uma imagem do Senhor do Monte Alverne, que iria ser colocada no altar da referida igreja.
Tomando parte na assembleia estavam brasileiros e portugueses. Por um natural impulso de patriotismo, queriam os primeiros que a imagem fosse esculpida aqui, os segundos, em Portugal. Ainda dessa vez não foi possível acordo, ficando o caso para ser discutido em outra assembleia.Eis senão quando, à casa da Ordem foi bater um peregrino, desconhecido na cidade e que, à mingua de recurso, pedia pousada por uma noite. Atendido pelo encarregado, foi-lhe destinado um aposento no porão, onde ele rapidamente se acomodou, fechando a porta com a chave. Não trazia nenhuma bagagem, nem um simples bornal sequer, nada.
O Cristo de Monte Alverne na parte superior do altar da Igreja
de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, Minas Gerais
No outro dia, ninguém viu o estranho personagem. O quarto que lhe deram estava com a porta e janelas fechadas. Não quiseram incomodar aquele pobre velhinho de barbas de neve: talvez estivesse muito cansado.
Ao segundo dia, porém, o quarto continuava na mesma situação. Desde que chegara, não o viram sair ao menos uma vez, nem ouviram um mínimo ruído lá dentro. Suspeitaram que ele houvesse adoecido, ao ponto de não poder erguer-se do leito ou mesmo que tivesse morrido. Já inquietos, então, bateram à porta. Silêncio absoluto. Tornaram a bater, com violência, depois. Nenhum rumor, nenhum sinal de vida. Forçaram a porta, estava fechada a chave.
Na certeza de um sombrio acontecimento, resolveram arrombá-la. Para fazê-lo, chamaram a polícia e testemunhas e, ao primeiro golpe da machado que um soldado vibrara, a fechadura saltou.
A escuridão no interior era quase completa. Abriram imediatamente as janelas: o misterioso peregrino havia desaparecido e, em seu lugar, uma imagem do Senhor do Monte Alverne, de tamanho natural, pregado à cruz, encheu de pasmo e de deslumbramento a todos os presentes, tal a sua maravilhosa perfeição.
Acreditou-se logo que o peregrino não era senão um santo, que realizara aquele milagre. A notícia correu célere pela cidade. E de todos os pontos, em uma verdadeira romaria, vinha gente ver a imagem, que poucos dias depois foi transportada, com grande solenidade, para a Igreja de São Francisco de Assis, onde até hoje se encontra, no respectivo altar.
A Criança Desaparecida
Em vão, durante todo o dia, aquele bando de escravos varava campos e matas, em todas as direções, à procura do filho mais novo dos senhores, que desde cedo desaparecera. Durante a tarde inteira brincara com os irmãos, no pátio da fazenda – dizia-se – depois se afastara para os lados da senzala e, daquele momento em diante, ninguém mais lhe soube o paradeiro.
A noite, após uma incessante busca, em intervalos mais ou menos longos, de hora em hora assomava à velha porteira da fazenda um escravo cansado, faminto, coberto de pó, julgando que outro companheiro mais feliz já houvesse encontrado e conduzido a casa o pequeno fugitivo. Era, porém, grande a surpresa quando iam ficando a par da triste realidade. E todos foram voltando, todos, até o último...
Desceram ao fundo dos precipícios, galgaram serras, percorreram capoeiras e selvas, foram até a pirambeira perto da lavoura de café, sondaram todos os fundões do córrego, indagaram dos lavradores da redondeza, dos tropeiros da estrada: tudo inútil. Ninguém o encontrara, ninguém o vira, ninguém!
A agonia da pobre mãe, mais do que a do pai, era indescritível. Soluçava, rezava, alucinada. Queria o filho, vivo ou morto, fosse como fosse. Ela o queria! Dizia que o procuraria por toda a sua vida.
Não, não era possível, Deus, aquele pequenino anjo de três anos, perdido na noite imensa, na mata imensa, povoada de felinos sanguinários! E, quando, com infinita dificuldade, a impediam de sair, como uma louca, para talvez lançar-se no despenhadeiro da divisa, eis que ouviram, lá fora, uma voz débil, quase imperceptível, de criança.
Era ele! Era ele que voltava, assim mesmo como pela manhã, lindo, limpo, cabeceando de sono e pedindo à mãe que o fizesse dormir. Em vão, crivaram-no de perguntas.
– Foi uma moça, mãe... - dizia o menino, e não sabia dizer mais nada.No domingo seguinte, toda a família dirigiu-se ao arraial para, como de costume, ouvir a missa. Entraram na modesta igreja rural. Desta vez com mais fervor, porque iam dar também graças a Deus pelo verdadeiro milagre, que fora a reconquista do menino que já havia sido dado como morto. Na igreja, os olhinhos espertos do garoto passeavam distraídos pelos anjos dourados das paredes, pelos painéis apocalípticos do forro, pelos ornamentos fulgurantes dos nichos... Eis senão quando, cheios de infantil surpresa, viram lá longe, lá longe...
Imagem do interior da Capela de Nossa Senhora das Graças, em São João del-Rei, Minas Gerais
– Mãe! Olha! Lá está a moça que me levou para casa! - exclamou o menino, e puxou-lhe de leve o vestido de cassa.
– Onde, meu filho? Onde? - levantando depressa a vista do rosário, na ânsia de conhecer a criatura que, de tão nobre, nem lhe quisera aparecer para o abraço comovido de gratidão.
– Está lá, mãe... lá em cima... Olha!
E o pequenino indicador do inocente, com assombro de todos, apontou, no altar, a imagem de Nossa Senhora das Graças que, no seu nicho todo azul, banhada na luz pálida dos círios, envolta em seu manto de estrelas, parecia sorrir.
A Casa da Pedra
Morava na São João del-Rei colonial um jovem trabalhador chamado Gil, que apesar de não ter muitas riquezas, era conhecido por ser esforçado e bondoso. O rapaz, certo dia, presenciou um conflito entre um grupo de paulistas e índios que habitavam a região. Ao ver feridos, um pai e sua filha, se arriscou para salvar-lhes a vida e tirá-los do meio da disputa. Seus nomes eram Irabuçu e Judaíba.
A partir de então, Gil enriqueceu repentinamente, passou a ter cada dia mais posses e pessoas trabalhando para si. Surgiram boatos de que toda aquela riqueza era fruto de uma mina repleta de ouro que só o velho índio conhecia. No entanto, um português conhecido como Minhoto, passou a invejar Gil. Decidiu então armar uma cilada para pegar o índio e forçá-lo a indicar onde ficava a mina.
Contratou outros portugueses para ajudá-lo na empreitada e se puseram a caçar Irabuçu. Certa vez o cercaram, mas ele pulou na mata e desapareceu. De lá, só saiu um enorme gato do mato, que espantou seus perseguidores de vez e os fez fugir de medo, crendo que o índio se transformara no animal.
Minhoto então decidiu pedir ajuda a Fernando, capitão-mor da época. E contou-lhe de todo o ouro que podia haver na mina. Para desespero do português, Fernando respondeu-lhe que todo o ouro pertencia ao rei, e ninguém além desse poderia ter o direito de usufruí-lo. Depois, mandou que seus homens saíssem para formalmente prender o índio na casa de Gil.
Irabuçu foi preso e levado à presença do capitão-mor, mas se negou a falar do ouro ou levá-los a mina. Bateram no índio e tentaram de toda forma obter as informações, mas ele não recuava. Só conseguiram que ele concordasse quando trouxeram Judaíba, sua filha, e ameaçaram torturá-la. Irabuçu caminhou com os guardas durante quilômetros para despistá-los. Quando a noite chegou, parou em frente a uma grande gruta, que depois ficou conhecida como a Casa da Pedra.
Entrada para a gruta conhecida como "A Casa de Pedra"
Fizeram uma fogueira na entrada e acenderam tochas. O índio conduziu todos para o interior da gruta, lá a escuridão era tanta que os portugueses tomados pelo medo puseram-se a rezar. O grupo seguiu pelo caminho indicado por Irabuçu até um enorme salão circular, encimado por uma abóbada, em formato semelhante a uma rotunda.
Com os pequenos feixes de luz foi possível observar pedras que pareciam ter sido esculpidas a mão, imensas raízes de gigantescas árvores, estalactites e até mesmo enormes e grossas cordas pendendo do alto do salão, como para formar uma cortina e ocultar os mistérios daquele maravilhoso santuário. Quando conseguiram acender outras tochas, puderam ver a imensa quantidade de ouro e pedras contida no interior do local. Os portugueses ficaram imóveis, assombrados com tudo aquilo. Uns até duvidavam de que pudesse ser real.
O índio os tirou daquele transe avisando que deveriam avançar por outro corredor, o maior deles. Os homens avançaram distraídos e maravilhados com as belezas que iam vendo no caminho, até que um potente grito os fez pular de susto.
"Tupassumunga!" bradara Irabuçu com toda a força de seus pulmões. Imediatamente duas enormes onças saíram dos fundos, passaram correndo entre os guardas e desapareceram novamente na escuridão.
Vendo os portugueses congelados de susto, o índio sorriu calmamente e explicou que os "gatinhos", como ele se referia as onças, moravam ali e eram os vigias do ouro de Tupã. E que o grito tinha sido dado para que eles saíssem e não lhes causassem mal algum. As palavras mais aterrorizaram do que apaziguaram a alma dos portugueses, que, temendo por suas vidas, não queriam dar mais nem um passo adiante. Irabuçu explicou-lhes que tanto fazia estarem ali ou mais adiante, pois se fossem morrer ali dentro, o local não faria diferença. Como quem já não tem mais nada a perder, os portugueses criaram coragem novamente e seguiram o caminho durante o que lhes pareceu serem horas.Chegaram a uma pequena passagem, na qual era difícil de passar até abaixado. O índio parou e disse que aquela era a entrada para a verdadeira mina. Os homens assustados se recusaram a entrar. Foi aí que caiu entre eles uma jiboia de mais de um metro de comprimento tão grossa quanto a perna de um homem. A cobra rapidamente se esgueirou entre eles e voltou a se esconder nas trevas. Naquele momento, rezas eram ouvidas por todo lado, especialmente a São Bento, protetor contra animais peçonhentos. Alguns dos guardas já quase choravam de tanto pavor e pediam incessantemente que o velho índio os tirasse de dentro da gruta.
A lenda conta que dezenas de portugueses teriam morrido no interior da gruta devido a cobiça pelo ouro
Irabuçu, novamente com um sorriso no rosto, respondeu que a jiboia não era venenosa, mas que ali havia muitas delas, e que se eles dessem um tiro para o alto, as cobras seriam espantadas. Um dos trêmulos guardas pegou a escopeta e deu um tiro para o alto. O disparo ecoou por toda a gruta, ressoando várias vezes. O ar ficou agitado e de repente uma nuvem de morcegos e corujas tomou cada canto do local.
Com toda aquela bagunça, as tochas acabaram por se apagar e todos se viram subitamente mergulhados na escuridão. Ao fundo, ainda se ouvia os ecos do tiro, que agora parecia uma fúnebre canção. Os portugueses tropeçavam entre si, trombavam com bandos de animais, em uma confusão sem fim. E gritavam desesperados pedindo ajuda de Irabuçu. Porém, como resposta, só tinham os ecos da caverna.
Muitos anos mais tarde, um grupo que estudava as minas da região encontrou a gruta. Estavam explorando seu interior quando, em uma sala muito estreita e profundamente escura, encontraram espalhados pelo chão os ossos daquele grupo que um dia quis tirar todo o ouro da Casa da Pedra.
----
E essas foram as lendas que semeam o medo pelas ruas e pela história da cidade de São João del-Rei. Evidentemente, é possível que existam mais algumas espalhadas pela cidade e que são contadas de maneira esparsa e corriqueira. Portanto, se vocês souberem de mais alguma, nos avisem pelos comentários ou através de nossas redes sociais! Vamos agora a uma espécie de bônus, e comentar rapidamente sobre algumas lendas interessantes da cidade de São Tiago, que fica bem perto de São João del-Rei.
As Lendas da Cidade de São Tiago, em Minas Gerais
São Tiago é uma cidade do Estado de Minas Gerais, como pouco mais de 10.000 habitantes segundo o último censo realizado em 2014, sendo conhecida também por ser a "Terra do Café com Biscoito". Ela está localizada na mesma mesorregião do Campo das Vertentes, a cerca de 200 km da capital, Belo Horizonte, porém apenas cerca de 50 km de São João del-Rei.A cidade possui esse nome em razão do seu padroeiro, Santiago Maior. Em busca de ouro, os primeiros habitantes teriam se fixado na região, ao redor de uma capela erguida em homenagem ao santo na Fazenda das Gamelas. Em 1849, São Tiago se tornou distrito de São João del-Rei, e, mais tarde, de Bom Sucesso. Em 27 de dezembro de 1948, São Tiago tornou-se emancipado político-administrativo se desmembrando de Bom Sucesso.
Visão aérea da parte da pequena cidade de São Tiago, no interior do Estado de Minas Gerais
A "Luz do Mundo"
Assim como as demais cidades da região do Campo das Vertentes, não são raras as histórias de pessoas que já tiveram algum contato com "objetos voadores que emitem luzes". Apesar do nome variar na região, em São Tiago, o fenômeno é popularmente conhecido como "Luz do Mundo". A história é levada tão a sério, que tem até livro que trata sobre o assunto. Em 2008, a pedagoga aposentada, Ermínia Caputo, reuniu narrativas que ouviu e vivenciou ao longo dos anos. Na obra intitulada "Acaso são estes os Sítios Formosos?", a escritora descreve cenas de aparição da "Luz do Mundo".
Não existem estudos científicos sobre o fenômeno, mas no imaginário popular, a explicação vem de fatos religiosos. A narrativa oral conta que a "Luz do Mundo" teve origem em uma maldição:
"Uma jovem teria sido enterrada com uma fita que simboliza a irmandade católica das Filhas de Maria, o que é proibido. Por conta disso, a alma da moça se transformou em uma luz que vaga pelo mundo. Seu descanso só virá se alguém corajoso lhe retirar a fita. E gente disposta a fazer isso tem aos bocados em São Tiago."
Não existem estudos científicos sobre o fenômeno, mas no imaginário popular, a explicação vem de fatos religiosos.
A narrativa oral informa que a "Luz do Mundo" teve origem em uma maldição
Em seu livro, Ermínia relata o episódio de um senhor que desafiou o medo e tentou apanhar a fita do espírito: "No local denominado Vargem (próximo ao centro da cidade), a Luz aparecia muito, beirando o esbarrancado que existe por lá. Um senhor muito simples, que vivia a puxar esterco para vender, dizia não ter medo da Luz e se propôs tirar-lhe a fita da Filha de Maria. Um dia ela apareceu e, corajoso, ele foi se aproximando dela. À medida que se aproximava, ela ia se afastando, até que ele caiu no esbarrancado". Ermínia diz que o homem não se machucou, mas também não conseguiu pegar o que queria.
Outra história de pessoas que enfrentaram a tal "Luz" aconteceu em uma noite de pescaria. O aposentado José Batista Santana, que garante já ter visto o fenômeno várias vezes, conta o medo que passou com um amigo. "A gente saiu para pescar num lugar conhecido como Ribeirão da Fábrica (a oito quilômetros do centro de São Tiago). No meio do caminho, encontramos um conhecido, que disse que a gente ia encontra a Luz. Meu companheiro zombou do moço e falou que se encontrasse a Luz, ia puxar o pé dela. Quando a gente estava perto do Ribeirão, avistamos de longe uma brasa de fogo. Ficamos um pouco receosos, sem saber o que era aquela luz, mas continuamos. A luz foi ficando mais forte e clareou as águas do rio. Ficamos com tanto medo que resolvemos voltar para a cidade", admitiu.
Mas o que a dupla de pescadores não esperava é que a "Luz" fosse acompanhá-los até bem perto da cidade. "Quando a gente chegou numa porteira, lá estava ela. Sem saber o que fazer, tiramos o chapéu em respeito e passamos no meio do clarão. Depois disso ela voltou pro mato e sumiu dentro de um esbarrancado", completou. Após esse episódio, o aposentado, ressabiado, afirmou que "não se deve abusar com essas coisas".
A pedagoga aposentada, Ermínia Caputo
Ermínia, a escritora, também garante já ter visto a Luz várias vezes da janela de casa, principalmente ao entardecer. "Ora ela andava, ora ela aumentava de tamanho, ora ela abaixava o facho. Tinha cor amarelada. Eu nunca ouvi chiar, mas tem muita gente que diz ter ouvido barulho vindo da Luz", disse Ermínia, em para uma matéria realizada pela Vertentes Agência de Notícias, em 2012.
Ermínia não acreditava na lenda da assombração com fita no pescoço e assegura que não sente medo. Entretanto, para ela, o fenômeno pode ter explicação científica. "É alguma coisa natural. Pode ser um fogo fátuo, um balãozinho. Eu acredito nisso, mesmo com tantas histórias de pessoas mais velhas e até da minha idade acreditarem no mito da Luz", afirmou.
Não se sabe ao certo de onde vem a lenda da "Luz do Mundo". Hoje, poucas pessoas relatam sua aparição, apesar de quase todo mundo de São Tiago conhecer suas histórias.
Ermínia diz que isso é um fato importante, porque se trata do registro da história de um povo. "Esses casos vêm da oralidade, do passar de um para outro. Eles tinham a função de alentar nas noites escuras. É um patrimônio imaterial. Assim como a gente tem livros, roupas, álbuns dos antepassados, também temos que preservar esse tipo de patrimônio", defendeu.
As Lágrimas de Morte
Dizem que em noites escuras, na região da Pavuna, a dois quilômetros do centro de São Tiago, o choro do espírito de uma mãe atordoa quem passa pelo local. Entre as ruínas de uma casa do início do século passado, a alma de Maria José Gabet, a "Nhanhá Gabet", veste preto e vaga com gemidos e lágrimas pela morte dos sete filhos mais o marido, fato ocorrido dia 13 de setembro de 1916.
O espanto em torno do caso é por conta das circunstâncias das mortes. O pai da família, José Gabet, obrigou todos a tomar vermífugo. O remédio, na realidade, era estricnina, um veneno potente. Um a um, os filhos e o casal foram tombando em agonia. No entanto, Nhanhá Gabet sobreviveu garças à ajuda dos vizinhos. De 1916 a 1960, ano de sua morte, a matriarca nunca deixou de vestir roupas pretas, luto eterno que guardou em respeito à família.
Entretanto, o que teria motivado o pai a matar os filhos e a cometer suicídio? Segundo as histórias contadas ao longo dos anos, José Gabet era um boiadeiro que sempre viajava em comitivas de gado para o oeste de Minas Gerais. Numa dessas idas, teria engravidado uma filha de coronel.
"Isso aconteceu na ocasião em que o peão contraiu febre amarela e teve que ficar por mais tempo que o esperado numa fazenda que servia de pousada. Por lá, conheceu uma jovem com a qual teve um caso, e acabou tirando sua honra. O pai da moça, um homem muito rígido, prometeu vingança. Seu objetivo era matar José Gabet e sua família em São Tiago", disse Ana Paula Lara, professora de história que fez uma monografia sobre o assunto.Segundo Ana Paula, a moça grávida teve pena do que poderia acontecer com boiadeiro. Mandou um mensageiro avisar José Gabet sobre risco que estava correndo. "Sem saber o que fazer e num ato desesperado, o peão foi a São João del-Rei e comprou veneno numa botica para matar toda a família. Depois de beber com o marido e dar o tal vermífugo para os filhos, Nhanhá Gabet percebeu que as crianças estavam agonizando. Ela começou a gritar e os vizinhos foram acudir. Ao verem a cena, os moradores do local deram leite para a mulher que vomitou o veneno", contou Ana Paula.
Foto das ruínas que abrigam o choro assombroso
A comoção social em torno do caso gerou lendas sobre a família. O comerciante João Batista de Andrade, conhecido apenas como Batista, tem uma venda próxima ao local das mortes. E ele próprio garante já ter visto coisas estranhas . Em 1973, quando sua esposa entrou em trabalho de parto, teve que ir buscar uma parteira numa rua próxima de sua casa. No meio do caminho, ao avistar a Pavuna, viu uma luz estranha no local. "Saí de casa por volta das duas da madrugada e por acaso olhei para o caminho que levava à Pavuna. Vi uma luz na casa de Nhanhá Gabet. Ela ia e voltava, parecendo procurar algo ou alguém. Isso me fez arrepiar e, ao me lembrar das mortes, fiquei mais apavorado ainda", disse João Batista.Em sua venda, típica do interior de Minas Gerais, Batista ouve contar muitas dessas histórias. A que chamou mais a atenção do comerciante foi a do enterro fantasma dos Gabet. Batista se lembra do relato de um homem que teria tido uma visão de assombrar.
Casa em que Nhanhá Gabet viveu seus últimos anos
"Seu Geraldo Campos contava que depois de jogar baralho por um longo tempo com um amigo, na cidade, precisava voltar para sua casa, na roça. O caminho era pela Pavuna e, como de costume, seguiu tranquilo em seu cavalo. Ao passar pela 'cava' que se estendia até à casa dos Gabet, viu um funeral, com oito pessoas carregadas em caixões. Achou aquilo estranho, principalmente porque era tarde da noite. Parou o cavalo, tirou o chapéu, fez uma oração e depois seguiu caminho. No dia seguinte voltou à cidade e, ao questionar algumas pessoas, inclusive o coveiro, descobriu que ninguém havia sido enterrado aquela noite", disse João Batista.
A história marcou o então distrito de São Tiago. O enterro com oito caixões ao mesmo tempo era inédito na localidade. No registro de óbito da família, consta que o filho mais velho tinha doze anos e o mais novo apenas três meses de idade. "O que espanta é que os jagunços do tal coronel chegaram à cidade no dia em que os corpos estavam sendo velados e que não seriam de um lugar tão distante, mas da região de Campo Belo", finalizou Ana Paula.
Caça ao Tesouro Fantasma
Na região rural de São Tiago conhecida como Gamelas, quem espanta os visitantes é o espírito de um padre doido por metais preciosos. Segundo a historiadora e professora Elena Campos, por volta de 1708, época do Brasil colônia, o religioso José Manuel era dono de escravos e extraía ouro de sua propriedade. "O que se conta é que para presentear o rei de Portugal, o clérigo mandou fundir parte do ouro em forma de um cacho de banana. Porém, o rei, sabendo disso antes de receber o tal presente, considerou a atitude de José Manoel uma ofensa ou até mesmo um risco à Coroa, e mandou prender o padre e confiscar seus bens. Mas, antes de ser preso, o clérigo escondeu o ouro em alguma parte de suas terras, para evitar que outras pessoas sofressem como ele", contou Elena Campos.
A história se espalhou e o que não faltou foi gente atrás do tesouro. O escritor Ademir Mendes é uma dessas pessoas. No livro que publicou em 2011, ele conta o mistério do ouro das Gamelas. Junto de alguns amigos, aventurou-se dentro da gruta com o objetivo de ficar rico: "Entramos, um a um, muito receosos e prevenidos para alguma emergência. A passagem era muito estreita, permitia a entrada de uma pessoa de cada vez. Dentro do buraco, o espaço era maior e nós conseguimos ficar de pé e andar normalmente. A luz do dia foi ficando escassa e impediu que nós continuássemos nossa jornada. Não aventuramos ir muito longe no escuro, pois falam da existência de uma fenda muito profunda, sem fim, dentro da gruta".O grupo de rapazes desistiu de encontrar o ouro e voltou para cidade sem se tornar milionário.
Entrada para a suposta gruta assombrada
O técnico de som, Rosauro Caputo, também se aventurou atrás do tesouro. Ele ainda se lembra da aventura que passou quando tinha 20 anos de idade. Junto de uma turma, Rosauro decidiu procurar o cacho de banana dourado. "Conseguimos entrar apenas uns três metros dentro da gruta, pois a gente não tinha luz e havia muitos animais. Se foi coisa do padre ou não, tivemos que sair correndo, pois fomos atacados por um enxame de maribondos", contou.
Coincidência ou não, a equipe de reportagem da Vertentes Agência de Notícias também foi atacada por maribondos enquanto fazia fotografias noturnas na Pavuna.
Segundo Elena, a historiadora, esse caso tem seu fundo de verdade, já que, de acordo com registros, as terras eram mesmo desse padre. Mas, a historiadora ressalta que é preciso cuidado, pois não existem indícios de garimpo na fazenda das Gamelas. "Apesar da lenda afirmar que as terras eram ricas em ouro, alguns historiadores não acreditam nessa hipótese, já que não há indícios de que houve grande movimentação de mineração na região. O fato é que a história surgiu não se sabe ao certo o porquê, mas até hoje atiça o imaginário das pessoas", finalizou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário